EVANGELHO DE JESUS: APOSTOLADO; O QUE SAI; Mt 10,8; Lc 10,8; Mt 15,11; Mt 15,17; Mc 7,15
Roberto Pla
Assim como no Evangelho de Tomé - Logion 6, este logion se refere às "práticas de justiça", em seu sentido manifesto, enquanto estas práticas se efetuam diante dos homens ou em segredo. Neste logion, no entanto, aborda o Evangelho de Judas-Tomé a explicação das três práticas essenciais pelas quais se converte o homem em justo segundo o sentido oculto destas.
O último jejum de Jesus ocorreu, como relatam os sinóticos, quando depois de seu duplo e simultâneo batismo de água e de espírito e como preparação para predicar a Boa Nova, ele foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto. Na experiência desta chamada "prova do deserto" que foi descrita por Isaías como as "sequidões da alma", precede a Jesus o profeta Moisés que sofreu também sua quarentena, ou seja, o tempo requerido para que se cumprisse nele o ineludível processo de purificação. Enquanto perdura esta purgação do deserto a alma fica submetida — e Jesus passou por isso no cumprimento de sua função paradigmática, exemplar — à humilhação e à fome e à sede, como expressão das sequidões interiores de que falaram alguns místicos que por elas passaram. (Deut 9,9); Deut 8,3)
VIDE: FOME E SEDE; JEJUM
Por tudo que é descrito em JEJUM, diz Jesus no logion que os que jejuam, se é que são discípulos seus, engendram um pecado contra si mesmos, pois não sabem receber o alimento que o Filho os reparte "sem medida".
VIDE: ORAÇÃO; ESMOLA; APOSTOLADO
Emille Gillabert
Este logion recorda diretamente, reforçando-o, o logion 6. A oração, o jejum, a esmola, três práticas maiores da piedade judaica, com as quais os judeus piedosos não brincam. E eis que Jesus vem lhes dizer que tudo isso os culpabiliza e lhes faz mal. O psíquico não pode deixar de taxar de provocação sacrílega tais palavras tão aberrantes. Jesus também não hesita em ignorar as proibições em matéria alimentar: o respeito por aquele que o acolhe vem antes das observações rituais ou legais. Ele também estigmatiza o caráter alienante do discurso “bem-pensante”, enquanto convida à atenção aos outros: cuidar das feridas é responder às circunstâncias por uma presença que é dom de si mesmo: “Qual de vós, se um filho ou um boi cair num poço, não o tirará logo no dia de sábado?” (Lc 14, 5); enquanto que discorrer é se condenar a permanecer prisioneiro do mundo que se fabrica.
O que é blasfêmia e sacrilégio aos olhos do psíquico é libertação aos olhos do pneumático. Acontece que os sinais se invertem quando se passa de um plano para o outro. As palavras de Jesus não têm outra razão de ser senão a de facilitar a passagem.
Os evangelhos canônicos não têm o equivalente do nosso logion. Desde o concílio de Niceia, o privilégio de Filho de Deus - Deus igual ao Pai - é reservado unicamente ao Cristo. É difícil encontrar textos correspondentes ao nosso logion nos evangelhos canônicos. Que as palavras de Jesus visando o jejum, a oração e a esmola não tenham sido reproduzidas não é de surpreender, pelo contrário. Neles se encontram algumas palavras sobre o acolhimento (Mt 10, 11-14; Mc 6, 10-11; Lc 10, 5-11), assim como o esclarecimento sobre o “puro e o impuro” (Mt 15, 11; Mc 7, 15). É de se notar que, ao passar do texto do logion para os sinóticos, se deixa o nível gnóstico para descer ao plano psíquico.
Jean-Yves Leloup
O Evangelho segundo Tomé se dirige a pessoas que já têm uma certa prática da religião, mas para quem o perigo é se comprazer em tais práticas e se crerem justificadas por elas.
Se se jejua tendo consciência de jejuar, isso apenas infla o ego em vez de o libertar. O jejum verdadeiro chega espontaneamente quando se está absorvido pela presença de Deus. Se esquece então de comer. É a atitude na qual Jesus se encontrava quando seus discípulos se espantavam de não o ver comer. “Eu tenho para comer, dizia ele, um alimento que vocês não conhecem... Meu alimento é fazer a vontade de meu Pai... Trabalhem não pelo alimento perecível, mas pelo alimento que permanece para a vida eterna...” (cf. Jo 6).
“Se dão a esmola” tendo consciência de dar a esmola, “fazem mal a seus espíritos” — se faz isso para que os notem ou para se dar boa consciência. Trata-se de ir mais longe, “que a tua mão esquerda ignore o que a tua mão direita dá”.
Se o seu irmão tem fome e se tem com que lhe dar de comer, o que é mais natural do que compartilhar? Não se trata mais de “fazer a esmola”, mas de reencontrar a espontaneidade do amor.
Da mesma forma para a oração: “Enquanto se reza tendo consciência de que se reza, não se reza verdadeiramente”, dirá mais tarde João Cassiano. A oração, ela também, deve se tornar espontânea — um simples movimento do coração — como o perfume da rosa ou o canto do pássaro.
Jesus nos adverte contra estas práticas boas em si, mas que podem se tornar a ocasião de farisaísmo, senão de narcisismo espiritual. A Presença do Espírito deve nos tornar cada vez mais simples, cada vez mais espontâneos — uma religião que faria de nós pessoas complicadas — culpabilizadas e culpabilizantes — corre o sério risco de ser uma falsa religião — pois ela não nos “religa” mais às forças vivas do Vivente — pelo contrário, ela nos separa delas.
A continuação do logion nos encoraja nesta atitude de simplicidade: “Se fordes acolhidos, comei o que está diante de vocês”, não é o que entra em sua boca que pode o macular, mas o que sai de sua boca. Jesus insiste: o que nos torna impuros, o que nos macula, é o que suja os outros. São as palavras inúteis, os julgamentos apressados. As calúnias, eis o que apodrece o coração e o espírito e o que dá um hálito nauseabundo.
Mais uma vez, de que adianta jejuar, dar esmola, rezar, se o coração não está lá, se o espírito cultiva o ódio ou a amargura.
Uma pequena frase deste logion é igualmente importante: “Aqueles que estão doentes, podem curá-los.” A palavra grega therapeuein tem um sentido mais amplo do que curar. Os terapeutas dos quais Fílon de Alexandria nos fala eram, de fato, mais do que simples curadores, eles eram também iniciadores. Assim, seria preciso ler: “Aqueles que estão doentes ou que sofrem, podem não somente curá-los, mas também iniciá-los no sentido da vida e do sofrimento.”
Pois a própria doença talvez não seja senão o sintoma de um mal-estar mais essencial — de um esquecimento do Ser... O papel do terapeuta é então permitir à pessoa que sofre reencontrar sua saúde total, tanto física-psíquica quanto espiritual.
O Evangelho segundo Tomé nos recorda que todo homem tem em si o poder de curar. O terapeuta está no interior de cada um de nós. É o Vivente que quer “que tenhamos a vida e a vida em abundância” em todas as dimensões de nosso ser. Trata-se de estar na atitude justa. Numa abertura que lhe permita agir em nós e através de nós.
Philippe de Suarez
Mt 10,11-13 // Mc 6,10-11 // Lc 10,5-11
Mt 15,11 // Mc 7,15; Mt 12,36-37
v. 1-8. Os canônicos passam em silêncio — e por uma boa razão! — as três advertências de Jesus que vão contra as três observâncias maiores da piedade judaica: o jejum, a oração e a esmola. Mt 6,1-18 simplesmente substituiu o texto “escandaloso” por três perícopes que especificam as condições da esmola verdadeira, da verdadeira oração e do jejum sincero. Estas três perícopes que tomam o contrapé das palavras de Jesus representam uma adição tardia da qual os comentaristas não conseguem encontrar a fonte.
v. 8-16. Os conselhos de Jesus que seguem imediatamente não oferecem nenhum aspecto desconcertante; assim são retomados com mais ou menos detalhes pelos redatores canônicos. Mt, sempre preocupado em justificar o N.T. pelo A.T., se entrega pela boca de Jesus a uma enumeração de vícios: assassinatos, adultérios, devassidões, roubos, falsos-testemunhos, difamação. (Mt 15,19) De fato, estes vícios se opõem a quatro preceitos do decálogo tal como são enumerados em Ex 20,13+. Para garantir, Mc 7,22 adiciona à lista de Mt: cobiças, maldades, astúcia, impudicícia, inveja. Esta enumeração mostra de sobejo que é o que sai da boca, e não o que entra nela, que macula. Mas como, mesmo com intenções proselitistas, fazer sair da boca: assassinatos, adultérios, devassidões, roubos...? — É mais fácil engolir uma cascavel do que arrotar um adultério — Mc cuida de fazer sair do coração as coisas más. Mt 15,18 faz a transição entre boca e coração usando uma dobradiça: mas as coisas que saem da boca procedem do coração, e são elas que tornam o homem impuro...
A respeito dos versículos de Lc, a S.J. especifica:
v. 5-6: “A formulação lucaniana é bem melhor, com seus semitismos: Paz a esta casa, que era a fórmula tradicional; filho da Paz, i.e. alguém que é digno de participar da paz, etc.” Estes semitismos indicam de fato uma reformulação lucaniana.
v. 7a: “mas permanecei nessa casa, comendo e bebendo o que há com eles é provavelmente uma adição ao discurso do Documento Q, proveniente do discurso do Documento A (cf. Mc 6,10); esta adição foi provavelmente efetuada pelo último Redator lucaniano (sob a influência do Mc intermediário) que também transpôs o logion: pois o trabalhador é digno de seu salário...”
v. 8-9; 11b: “Os v. 8-9 de Lc, assim como o fim do v. 11, são uma adição lucaniana, já que são ignorados por Mt neste contexto...”
De fato, no que diz respeito aos v. 8-9, a adição diz respeito apenas ao fim do v. 9, o resto provindo de Ts, a não ser que os países e as regiões se tornaram cidades e que o "entre eles" que aparece no texto copta sem ter sido previamente introduzido, foi puxado por ali.